quinta-feira, 9 de abril de 2020

Objeções à teoria do relativismo cultural

Segundo a teoria do relativismo cultural (RC), i) os juízos morais têm valor de verdade e ii) o critério que determina o valor de verdade de um juízo moral é o que a maioria das pessoas numa sociedade ou cultura convenciona, ou seja, o certo e o errado dependem das preferências sociais ou culturais.
1. Argumento relativista da diversidade cultural
Este argumento parte da premissa de que diferentes sociedades têm padrões culturais e códigos morais diferentes, para concluir que o valor de verdade dos juízos morais não é objetivo ou universal: por exemplo, o juízo moral «A poligamia é aceitável» é avaliado de modo diferente pelas diversas culturas, sendo verdadeiro para umas (como as culturas islâmicas) e falso para outras (como as culturas judaico-cristãs).
2. Objeção ao argumento relativista da diversidade cultural
Do facto de haver discordância sobre a avaliação de factos morais não se pode concluir que não pode haver verdades objetivas (aceites consensualmente) sobre juízos morais, tal como do facto de haver diferentes opiniões sobre a existência de Deus ou de extraterrestres não se pode concluir que essas opiniões são todas verdadeiras, o que seria contraditório, ou que a existência de Deus ou de extraterrestres depende das convenções sociais.
Aliás, há juízos morais que são verdadeiros para todas as culturas, como «Matar pessoas indiscriminadamente é errado». Por outro lado, se uma sociedade aprova o infanticídio e outra reprova-o, não será que o juízo moral «O infanticídio é um crime» deve ser verdadeiro para todas as culturas? Portanto, o facto de haver diversidade de padrões e códigos morais não é uma condição suficiente para que não haja juízos morais cujo valor de verdade seja objetivo e válido para todas as culturas; e há culturas com códigos morais errados (como os da sociedade europeia quando aprovava a escravatura e os da sociedade alemã no tempo do nazismo).
3. Argumento relativista da tolerância
Este é o argumento mais sedutor do RC: defendendo a tolerância, afirma que nenhuma sociedade ou cultura tem mais razão, é melhor ou superior a outra, e nenhuma deve impor os seus padrões e códigos morais a outras. Ou seja, o RC defende que se não aceitarmos que os juízos morais são relativos a uma cultura, estamos a ser intolerantes.
4. Objeção ao argumento relativista da tolerância
O problema deste argumento é que não considera que há em muitas culturas práticas que são reprováveis e mesmo monstruosas, que discriminam, maltratam e fazem sofrer pessoas com base em preconceitos, superstições e crenças sem fundamento, e perante as quais a tolerância pode equivaler a indiferença. Portanto, a tolerância nem sempre é desejável.
Além disso, se uma sociedade decidir que «a intolerância perante pessoas de culturas diferentes é correta», o RC tem de tolerar essa decisão e, logo, ao defender a tolerância, o RC pode levar perigosamente à aprovação da intolerância.
5. Argumento relativista da opinião maioritária e da coesão social
Para o RC, o critério que determina o valor de verdade de um juízo moral é o que a maioria das pessoas numa sociedade ou cultura convenciona: é bom ou correto o que for aprovado pela maioria e, dessa forma, promove-se a coesão social (o correto é que todos sigam as práticas convencionadas pela maioria).
6. Objeção ao argumento relativista da opinião maioritária e da coesão social
Muitos casos documentam que a maioria pode estar enganada (por ignorância ou desinformação, originando a falácia ad populum) e nem sempre o que é aprovado pela maioria é correto: durante séculos a maioria pensou que o Sol girava à volta da Terra, que a escravatura era aceitável e que as mulheres não podiam votar; e, nos anos 30, a maioria do povo alemão viu em Hitler o líder que salvaria o país.
Assim, este argumento do RC também conduz ao conformismo: se fossemos relativistas e o que a maioria aprovasse prevalecesse sempre sobre a opinião da minoria, as sociedades estagnavam e não haveria progresso civilizacional e moral (por exemplo, ainda hoje haveria escravatura e as mulheres não poderiam votar). Portanto, em todas as sociedades é necessário algum inconformismo que denuncie o que pode estar errado no que a maioria aprova e com isso promova a mudança e o progresso cultural.

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